Entreguei hoje de amanhã o telemóvel numa loja de reparações em Évora, agora caminho por entre as plantas que há meses coloquei na terra juntamente com o André Cardoso, desenhador da Miyawaki em torno da charca a Norte na Quinta da Vinagra, Viana do Alentejo. Estou maravilhada com o desenvolvimento robusto das plantas. Que delírio, como as Maias estão do meu tamanho, não estivéssemos no mês delas, e o aroma que exalam traz-me mais para Aqui, assim como atrai duas abelhas silvestres de cor negro azulado.
Sento-me diretamente na terra, enquanto elas voam por cima da minha cabeça. Sem o telemóvel, sinto uma liberdade e presença incríveis… até me dá vontade de chorar de alegria.
A verdadeira liberdade não é a possibilidade de ir para onde se quiser, mas estar presente, o mais que se pode Ser presente.
Há uma semana, no grupo de meditação, o meu coração falou e pediu-me: “Fica aqui dentro.” Percebi o quanto me pedia para ficar mais junto dele, descendo a atenção da minha mente para o centro do peito e aí ancorar.
Agora com o telemóvel estragado há uns dias, Aqui em frente à charca, sinto-me assentar um pouco mais dentro de mim, como o coração pediu. Senti-lo dentro de mim é algo que vale milhões, como uma pedra preciosa rara, que pela sua preciosidade e raridade tem um valor incalculável.
Ao assentar no centro do meu peito, nada mais é necessário, nada há a buscar, nada há a conquistar, nenhuma necessidade a ser suprida – só o estar, existir e observar…
As asas das abelhas silvestres negras fazem uma frequência sonora incrível, acompanhadas pelo coaxar das rãs e o som do vento a soprar de noroeste completam uma sinfonia linda juntamente com as rolas… Espero que estas frequências, juntamente com o Sol, que me possam libertar desta carga negativa que acumulei da desconexão comigo e com a Natureza – dois alimentos de sentido que nenhum outro alimento pode nutrir em mim.
Os pássaros chilreiam antes do pico da temperatura da hora do almoço. Cada ser realizando o seu sentido e alegria de viver, alguns diriam, a sua função no ecossistema, eu prefiro dizer, realizando-se e cocriando. Realizando o seu Ser, as suas potencialidades, na co-criação com a Terra, com os outros seres e elementos.
O coração pede um compromisso para que não me perca: tornar o telemóvel verdadeiramente um objeto fixo, sob o risco de a sua mobilidade me imobilizar e perder a minha realização e co-criação autêntica. À segunda tentativa, espero não falhar com ele. Desta vez, percebi e senti os efeitos desta imobilidade da minha alma e desconexão de mim mesma e da natureza.
Autoria: Patrícia Pacheco
*Etimologia de Selvagem: do latim “salvaticus”, próximo de “selvático”, da junção de selva e o sufixo -agem, ou seja, que age e é próprio das selvas, florestas, bosques; que nelas se cria, nelas cresce ou vive. É assim que me sinto, selvagem.